* por Mauro Cordeiro
Foto: Reprodução da internet
Escolas de samba são associações comunitárias, formas recreativas de interação com forte vínculo territorial. Esse componente territorial é fundamental para entender como estas entidades precisaram – e ainda precisam – sempre dialogar com os poderes constituídos na cidade. Surgiram almejando, junto ao poder público, o reconhecimento das suas formas expressivas de arte e cultura em um contexto de marginalização dos seus sujeitos produtores. Negociando para existir, se expandiram ao longo do tempo. As escolas levam, em sua maioria, o seu território de origem no nome, tornando áreas periféricas da cidade internacionalmente reconhecidas.
Se de um lado existe a segregação socioespacial, que faz com que historicamente favelas e subúrbios sejam pensados como lugares perigosos e casos de polícia através de uma política de segurança pública que criminaliza a pobreza; ao mesmo tempo, estes espaços à margem constituem-se como lugares de moradia das camadas populares, onde se constroem relações, se expressam formas de vida. Na cidade do Rio de Janeiro, emergem das favelas e subúrbios agremiações recreativas que conquistariam a cidade através da sua arte.
É aí que o bicho entra na jogada. Se há uma relação entre jogo do bicho e escolas de samba é porque ambos têm forte presença nos territórios das comunidades periféricas do Rio, ao contrário do Estado. Nestes espaços a contravenção está presente através de um jogo que é uma forma de sociabilidade histórica das camadas populares do Rio. O jogo do bicho cria sentido e explicação lógica a eventos e acontecimentos da vida cotidiana que atravessam o imaginário popular, o que ajuda a entender seu enraizamento enquanto prática social desde o final do século XIX.
Se hoje a cúpula do jogo do bicho tem papel destacado na organização dos desfiles de escolas de samba é porque o Estado – personificado como a prefeitura municipal, neste caso –, progressivamente, permitiu e concedeu este papel aos barões do jogo. A organização dos desfiles foi se tornando cada vez mais privada, a cargo da LIESA, através de concessões do poder público. O Estado negociou abertamente com a contravenção e permitiu a esta o domínio da festa.
E para falar a verdade foi através da ação desses barões que as escolas de samba, que já promoviam um espetáculo de reconhecimento internacional que ajudou a consolidar o país como um destino turístico importante ao longo do século XX, conquistaram maior participação financeira nos ganhos da festa e puderam, também, ter maiores condições de financiamento das suas atividades. Atividades essas que, por sua vez, convertem-se em oportunidades de inserção profissional e/ou social para jovens de sua área de atuação.
Nada disso ameniza ou suaviza a contravenção penal. Desde a década de 1970, a cúpula do jogo do bicho no estado repartiu o território fluminense atuando com violência. Sua ação nas escolas de samba é parte de uma estratégia que buscava fortalecer o domínio territorial dos banqueiros em suas áreas de interesse e tornar os barões sujeitos com prestígio social, entendidos como mecenas que ajudavam as pobres agremiações a obter sucesso no ritual festivo-competitivo. Esta estratégia foi absolutamente exitosa.
Dito isto, é preciso compreender que se existe a atuação da cúpula do jogo do bicho no carnaval das escolas de samba é culpa do poder público por duas razões fundamentais:
1) pela omissão de não combater sua atuação nos territórios. Na verdade, a consolidação da dominação dos barões sobre o estado fluminense contou com a colaboração do Estado brasileiro em todas as esferas de poder desde a ditadura militar;
2) por progressivamente conceder a organização dos desfiles a uma entidade privada que representa os interesses dos barões na festa.
Hoje, dentro da nova dinâmica de poder territorial fluminense, sobretudo na capital, são as milícias paramilitares que começam a enxergar no carnaval um espaço para expansão das suas atividades. Vale conferir o desenrolar dessa história.
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