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a Primazia do visual nos desfiles

Atualizado: 28 de ago. de 2020


Imagem: Allan Duffes e Magaiver Fernandes * Por Mauro Cordeiro


Um desfile de escola de samba tem muitas dimensões. Para uma análise, sempre penso fundamentalmente em três: chão, visual e discurso.


Entendo por chão o rendimento do samba, a evolução dos componentes, o desempenho da bateria e o canto da escola. Pensando a partir do julgamento, aqui estariam concentrados os quesitos de harmonia, evolução, bateria e samba-enredo.


Quanto a dimensão visual, penso que é a forma que os elementos alegóricos e os figurinos contribuem para o desenvolvimento do desfile; sua beleza, apuro e leitura quanto ao enredo. Seriam dois os quesitos envolvidos: fantasias e alegorias e adereços.


Já o discurso é a narrativa construída através do enredo que, por sua vez, deve se materializar nos elementos visuais e é potencializado pelo chão. Envolveria exclusivamente o quesito enredo. Pode ser histórica, utópica, onírica, crítica, satírica...


Os outros dois quesitos em julgamento, tomando como referência o carnaval 2020 do Grupo Especial do Rio de Janeiro, são Comissão de Frente e Mestre Sala e Porta-bandeira.


Essa divisão de quesitos por dimensões escancara o óbvio: uma escola de samba acontece no chão. É riscando o solo sagrado da avenida de poesia, seja nos requebros dos corpos que respondem aos tambores que louvam a ancestralidade ou na vibração efusiva dos componentes que desfilam seu amor que uma escola de samba mostra seus fundamentos. O samba - cantado, tocado, dançado, sentido e vivido - é que faz a mágica acontecer.

Já o discurso, a narrativa através do enredo, é a forma que essas associações comunitárias, quase centenárias, expressam visões de mundo, contam histórias e educam não apenas os seus partícipes, mas também o país.

Acontece que ao longo de um processo histórico o visual ganhou primazia nos desfiles das escolas de samba. Se de certa forma, sempre esteve presente, cabe pensar o quanto a partir da década de 1960 a importância dos atributos visuais foi crescente. É lógico que este processo está relacionado a afirmação dos carnavalescos na festa. Em sua maioria, na primeira geração da assim chamada “revolução salgueirense”, eram cenógrafos e artistas plásticos que passaram a atuar no carnaval carioca através das escolas promovendo novas concepções artísticas ao visual dos desfiles. O resultado desse processo foi a consolidação das escolas de samba na hegemonia da festa. O espetáculo promovido pelas escolas se tornou cada vez mais luxuoso, vertical e monetizado.

Aqui, nesse pequeno texto, não pretendo empreender um julgamento sobre o caráter desse processo, mas apenas discorrer sobre ele para o entendimento do presente.


A questão é: o visual se tornou central na análise do todo que é um desfile de escola de samba. O que faz com que, muitas vezes, escolas que se destacam na questão plástica acabam tendo suas notas, de outros quesitos, não visuais, infladas pelo destaque estético.

Quando analisamos um desfile tendemos a produzir uma opinião sobre o todo, o conjunto do cortejo apresentado pela escola. Já o julgamento é técnico e dividido por quesitos. Cada vez mais fica evidente a benevolência do corpo de jurados em seus quesitos específicos quando no conjunto uma escola se destaca pela plástica. É como se a espetacularidade do visual se sobrepusesse a quaisquer problemas narrativos ou performáticos.

Ou seja, o enredo é ruim, mas a escola tinha belas esculturas em seus carros? Nota dez em enredo. A escola não apresentou um canto uniforme durante sua apresentação, mas tinha os carros mais caros e belos do carnaval? Nota dez em harmonia. E são vários os exemplos.


Ninguém condena a visualidade espetacular das escolas e as maravilhas já produzidas nos cortejos; as várias obras de arte dessa festa-ritual-competitiva são dignas dos mais nobres salões mundiais. Na verdade, entendo que a própria Sapucaí se constitui em um grande salão que expõe ao mundo obras geniais de escultores, pintores, ferreiros, marceneiros, aderecistas, costureiras, artesãos, iluminadores, cenógrafos e etc., todos artistas populares virtuosos.

Porém, vale pensar a respeito da excessiva valorização dos elementos visuais em detrimento dos fundamentos de chão. Se em 1982 o Império Serrano já advertia que existiam "super alegorias, escondendo gente bamba", hoje esse processo consolidado é covardia consumada que precisa ser (re)pensada.

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